which pill would you take, the red or the blue?
Entrou no escritório como sempre, como todas as manhãs. Sorridente, feliz. Com os seus movimentos dignos de um sempre em pé caminha todos os dias até à sua secretária, no fundo da sala, de onde pode ver e observar todos (como ele próprio afirma). Move-se mal devido a uma certa quantidade de kg a mais e por isso é lento. Durante o percurso fala com este, com aquele, em árabe e inglês, e todos param para o saludar. É uma pessoa importante. Uma cultura e inteligência fora do normal. Rara. Sabe a história de todos os povos, dos portugueses, dos franceses, americanos, indianos, sicilianos e claro, dos egípcios. Opina sobre tudo e sobre todos. Observador, tira-te a pinta em dois segundos e dispara perguntas e afirmações para atrair a tua atenção e cativar o teu interesse: "sabes o que quer dizer o nome rita?"; "sabes que os portugueses...?"; "sabes que nos dias de chuva...?"; "sabes que os católicos.. e os muçulmanos...?". Particularmente interessantes são as suas teorias sobre religião e sobre a felicidade. Parece ser alguém extremamente positivo e alegre... diz que quando chega a casa lê os livros da sua biblioteca privada. Vive no meio do deserto, muito longe do escritório e tem um motorista privado que religiosamente, todos os dias, o acompanha ao trabalho e a casa.. ele não conduz mas está a tirar a carta de condução. Nunca casou. Diz que não encontra mulheres suficientemente inteligentes...
Fala muito. Fala sempre. Durante todo o dia. Quem se senta ao seu lado, mais tarde ou mais cedo acaba por lhe contar a vida toda através das suas afirmações e perguntas porque ele adivinha tudo e percebe muito mais.
E canta q.b. Canta músicas antigas... dos anos 80! Roxette e afins... e nas partes faladas gosta de repetir alto as frases que de certa forma gosta mais, em jeito de sussurro para parecer mais sério, e por isso, de vez em quando, diz coisas do género "sabes que existe uma música que diz que o amor é infelicidade? sabes qual? sabes porquê?" e por aí fora... todos os dias! Todos os santos dias. Eu sei porque estou na secretária quase ao lado e ouço-o.. todos os dias...
Ora bem, eu tenho as minhas teorias sobre esta pessoa deveras interessante... este senhor, pilar de sabedoria do nosso escritório... e sei que ele tem as dele sobre mim (como de cada um de nós). Um dia até me perguntou se me podia ler a mão.... na minha mão viu que eu era uma pessoa reservada e introvertida. Altruísta..
Depois olhou para uma folha e disse que a minha letra pequenina, leve e organizada revelava o mesmo... se calhar para ter uma confirmação das suas observações... ou não... perguntou-me inclusivé se eu falava bem italiano e às vezes gosta de demonstrar que ele também sabe qualquer coisa, assim como que para me desafiar... é um personagem...
Pois bem, ontem entrou no escritório como sempre. Em jeito de conversa de café, um colega muito jovem falava de viagens (tema geral e banal para um grupo de expatriados...). De uma viagem longa e solitária, em particular. Longe. Austrália, Indonésia, etc. Eu referia a possibilidade de comprar um bilhete à volta do mundo (um sonho pessoal, antigo e que um dia...). "Mas porque é que tu queres viajar?", ouvimos de repente. " As viagens só servem para ter recordações... é melhor não viajar, não poluir, sempre tens o google earth. E além disso, com uma viagem tão curta em cada sítio nunca poderás conhecer de verdade os hábitos daquele povo...". Ficámos estarrecidos. Olhámos uns para os outros, de bocas abertas... O quê?!? Não é possível alguém ser assim tão racional... todos sabemos que das viagens obtemos só recordações, memórias mas isso não é bom? Depois, dizer isso a um grupo de portugueses é algo arriscado.. saudosos e nostálgicos como somos...
Subitamente em vez de 3 eramos 8 e todo o escritório ouvia... alguém se lembrou de perguntar que se ele tivesse uma pílula com todas as vitaminas o que é que ele preferia, a pílula ou a comida? ele, racionalmente, respondeu a pílula... os cheiros, os sabores, todos os sentidos são apenas isso, sentidos e servem para te dar recordações, memórias por isso é possível obter isso de outros modos, não é preciso viajar... e as pessoas que se podem encontrar? os amigos que se podem fazer? não é possível fazer amigos numa semana, responde. E no final, fica sempre a recordação daquela pessoa... como viver na Matrix...
Repito, tenho as minhas teorias sobre esta intrigante pessoa. Entendo tudo o que diz. Tudo o que quer dizer. E, se calhar, porque o diz.
Um dia destes vou-lhe propor ouvir Jovanotti. Caetano e Chico. Lhasa. Coltrane. Karate. Radiohead. Rodrigo Leão... em vez de Roxette... ensino-lhe português e dou-lhe Cesária Évora... puxo-o para um Tango ao som de Piazzolla ou um flamenco bem flamencado... irresístivel! tenho a certeza que iria começar a querer ir a correr por esse mundo fora....
"Porque o único perigo que sinto verdadeiramente, é aquele de não ser capaz de sentir mais nada... o som das vespas, o sabor da pizza, as lágrimas de uma mãe, as ideias de um estudante, os encontros possíveis numa praça.. aqueles que ainda têm a coragem de se apaixonar e sentir uma música que bombeia sangue pelas veias e faz bater o coração, a paixão de um projecto e a energia que se liberta num contacto..".
Fala muito. Fala sempre. Durante todo o dia. Quem se senta ao seu lado, mais tarde ou mais cedo acaba por lhe contar a vida toda através das suas afirmações e perguntas porque ele adivinha tudo e percebe muito mais.
E canta q.b. Canta músicas antigas... dos anos 80! Roxette e afins... e nas partes faladas gosta de repetir alto as frases que de certa forma gosta mais, em jeito de sussurro para parecer mais sério, e por isso, de vez em quando, diz coisas do género "sabes que existe uma música que diz que o amor é infelicidade? sabes qual? sabes porquê?" e por aí fora... todos os dias! Todos os santos dias. Eu sei porque estou na secretária quase ao lado e ouço-o.. todos os dias...
Ora bem, eu tenho as minhas teorias sobre esta pessoa deveras interessante... este senhor, pilar de sabedoria do nosso escritório... e sei que ele tem as dele sobre mim (como de cada um de nós). Um dia até me perguntou se me podia ler a mão.... na minha mão viu que eu era uma pessoa reservada e introvertida. Altruísta..
Depois olhou para uma folha e disse que a minha letra pequenina, leve e organizada revelava o mesmo... se calhar para ter uma confirmação das suas observações... ou não... perguntou-me inclusivé se eu falava bem italiano e às vezes gosta de demonstrar que ele também sabe qualquer coisa, assim como que para me desafiar... é um personagem...
Pois bem, ontem entrou no escritório como sempre. Em jeito de conversa de café, um colega muito jovem falava de viagens (tema geral e banal para um grupo de expatriados...). De uma viagem longa e solitária, em particular. Longe. Austrália, Indonésia, etc. Eu referia a possibilidade de comprar um bilhete à volta do mundo (um sonho pessoal, antigo e que um dia...). "Mas porque é que tu queres viajar?", ouvimos de repente. " As viagens só servem para ter recordações... é melhor não viajar, não poluir, sempre tens o google earth. E além disso, com uma viagem tão curta em cada sítio nunca poderás conhecer de verdade os hábitos daquele povo...". Ficámos estarrecidos. Olhámos uns para os outros, de bocas abertas... O quê?!? Não é possível alguém ser assim tão racional... todos sabemos que das viagens obtemos só recordações, memórias mas isso não é bom? Depois, dizer isso a um grupo de portugueses é algo arriscado.. saudosos e nostálgicos como somos...
Subitamente em vez de 3 eramos 8 e todo o escritório ouvia... alguém se lembrou de perguntar que se ele tivesse uma pílula com todas as vitaminas o que é que ele preferia, a pílula ou a comida? ele, racionalmente, respondeu a pílula... os cheiros, os sabores, todos os sentidos são apenas isso, sentidos e servem para te dar recordações, memórias por isso é possível obter isso de outros modos, não é preciso viajar... e as pessoas que se podem encontrar? os amigos que se podem fazer? não é possível fazer amigos numa semana, responde. E no final, fica sempre a recordação daquela pessoa... como viver na Matrix...
Repito, tenho as minhas teorias sobre esta intrigante pessoa. Entendo tudo o que diz. Tudo o que quer dizer. E, se calhar, porque o diz.
Um dia destes vou-lhe propor ouvir Jovanotti. Caetano e Chico. Lhasa. Coltrane. Karate. Radiohead. Rodrigo Leão... em vez de Roxette... ensino-lhe português e dou-lhe Cesária Évora... puxo-o para um Tango ao som de Piazzolla ou um flamenco bem flamencado... irresístivel! tenho a certeza que iria começar a querer ir a correr por esse mundo fora....
"Porque o único perigo que sinto verdadeiramente, é aquele de não ser capaz de sentir mais nada... o som das vespas, o sabor da pizza, as lágrimas de uma mãe, as ideias de um estudante, os encontros possíveis numa praça.. aqueles que ainda têm a coragem de se apaixonar e sentir uma música que bombeia sangue pelas veias e faz bater o coração, a paixão de um projecto e a energia que se liberta num contacto..".
4 Comentários:
Conheço-o e posso comprovar que ele assim é. Nunca o conseguiria ter descrito assim, no entanto, porque no meio do saber dele há uma criança insegura que eu não consigo conhecer bem, que eu não consigo ler.
Será que já cresci demais e não me lembro como é ser assim?
pois, eu acho o mesmo!! e isso de certa forma é, como dizer, ternurento? :) por isso é que quando me irrita eu não levo a sério...
agora, tu não cresceste demais, nem eu... crescemos, ponto final! mas isso não quer dizer perder a criança dentro de ti! ou pelo menos espero! significa ser outra coisa, nao necessariamente mais segura ou pior... eu acho que se podem aprender coisas novas e diferentes em todas etapas da vida, não achas?
pensando bem, ele até pode estar a perder muitas coisas que nós não estamos!! eheheh!!
vá, não penses tanto! recebe as coisas como elas são... não sejas tão "inginheiro"!!
beijos. rita**
Mas o homem com tantos conhecimentos e teorias até deve ser interessante e se calhar até leva as pessoas a pensar em situações que nunca nos passaram pela cabeça
Bjs
Tio Batata
engraçado o comentário que deixaste ao "inginheiro":
vá, não penses tanto! recebe as coisas como elas são... não sejas tão "inginheiro"!!
beijos raquel
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